#0029 Superinteligência ou superenganação?

Se você me lê, provavelmente já desejou mais inteligência, quiçá uma superinteligência. Imagina poder ter gravada nos circuitos elétricos dos seus neurônios toda a inteligência da humanidade?

Por que almejamos a superinteligência? Para conquistar mais afeto? Alcançar a felicidade? Superinteligência não garante felicidade plena. Se inteligência não se relaciona com felicidade, qual seu verdadeiro propósito? Qual o sentido de buscar a inteligência?

Na era das inteligências artificiais, torna-se necessário rediscutir o próprio conceito de inteligência.

Se os modelos de linguagem com os quais conversamos parecem deter todo o conhecimento que a humanidade tem até então, eles são inteligentes?

A premissa do livro: “Flores para Algernon” é de um jovem com deficiência cognitiva que o impede de desenvolver sua inteligência no sentido convencional. Isto é, a capacidade de adquirir conhecimentos gerais e conseguir aprender habilidades necessárias para se tornar parte da força de trabalho.

O jovem Charles, devido a seu problema, não consegue se desenvolver. Com muito esforço, ele aprendeu a ler e escrever, mantendo um vocabulário extremamente limitado. Na história, mencionam que ele tem um QI de 68, para termos um parâmetro de comparação o QI da população brasileira varia entre 83 e 87.

É preciso também entendermos que o QI como uma unidade individual tem pouca utilidade. Atualmente, profissionais da área da saúde o utilizam para medir populações e auxiliar em diagnósticos, mas não representa uma medida isolada.

O QI como medida populacional é um dado relevante, pois permite avaliar coletivamente as variações de inteligência em determinados grupos. A importância dessa métrica ficou evidente na década de 1970, quando as medições de QI da população ajudaram a comprovar os efeitos nocivos do chumbo presente no combustível. Análises indicam que aproximadamente 170 milhões de cidadãos estadunidenses sofreram uma redução média de 2.6 pontos no QI devido à exposição a esse combustível.

Embora não sirva para atestar inteligência superior, os testes de QI auxiliam na identificação de questões que podem impactar o desenvolvimento populacional. Ao realizar um teste de QI, você se depara com questões sobre identificação de padrões, compreensão verbal, raciocínio lógico, memória operacional e velocidade de processamento. Mas seria a inteligência limitada apenas a essas habilidades?

Não teria a ver também com a quantidade de tempo de estudos sobre determinado tema? Sobre construir pontes para que novas descobertas sejam feitas? Ou se conhecer? Ou a quantidade de idiomas que alguém fala? Ou a quantidade de contas que se sabe resolver? Para tudo isso você precisa se lembrar, então inteligência teria a ver com a memória? Se você esquecesse de tudo, mas ainda assim, lembrasse do idioma, você seria inteligente ou não?

O livro discute a ideia, se alguém é tão burro (palavras do livro) a ponto de não aprender e não se lembrar que já tentou aprender, ele é humano? Em outras palavras, se alguém não é inteligente ela é humana? Nós como sociedades, de maneira preconceituosa, não só achamos que quem não é inteligente não é humano, como tendemos escolher a representação de um animal para nos referirmos a todos que não consideramos inteligentes.

Charlie, mesmo não sendo inteligente, tem sonhos. Ele deseja ser orgulho para a sua mãe. Em busca desse objetivo, inscreve-se num experimento com drogas que prometem desenvolver sua inteligência.

Charlie se torna o primeiro humano a experimentar a droga e consegue se tornar inteligente. Charlie é como um chat-gpt sem filtro. Ele se torna tão inteligente, tão rápido, que não consegue mais se ligar com as pessoas. É como se ele se tornasse um semi-Deus que fala uma outra linguagem que os outros seres humanos não conseguem entender.

Ocorre outro fenômeno interessante: à medida que a inteligência de Charlie aumenta, ele começa a se tornar ateu. O livro faz essa crítica, diz que quanto mais burro alguém é, mais ela se apega a religião. Você concorda?

Na minha percepção, ao tomar esse caminho, o livro faz algo comum no mundo contemporâneo: critica aquilo que ele faz, sem se reconhecer dentro da crítica.

É interessante também notar como que o livro faz a associação de inteligência a felicidade, quanto mais inteligente Charlie fica, mais infeliz também se torna. Seria consequência da inteligência ou da ausência de esperança, já que não há mais magia, Deus ou algo fora de uma explicação metódica?

Como Charlie não conseguiu aprender habilidades sociais antes de conseguir se tornar um gênio, ele se isola, e nós precisamos uns dos outros. A tristeza é individual, mas a felicidade é também coletiva.

É um dos meus livros favoritos da vida, e sempre que penso nele, questiono-me: o que é inteligência? Especialmente nesta nova era.

Vivo uma dicotomia com as inteligências artificiais: embora respondam precisamente às minhas perguntas usando seu banco de dados, demonstram total desconhecimento sobre assuntos óbvios durante nossas conversas. Isso é compreensível, pois carecem de raciocínio próprio – um contraste entre sua vasta base de conhecimento e a incapacidade de pensar por si mesmas.

Nós extrapolamos isso para outros humanos especialistas: de que maneira passou num concurso? Como pode ter feito doutorado se não concorda comigo? É como se inteligência fosse também acreditar em todas as coisas que acreditamos.

Estamos distantes do conceito de inteligência, quem dirá uma superinteligência, mas com certeza podemos afirmar que inteligência transcende o mero ato de concordar e se lembrar.

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