#0031 Uma breve história da vida que você escolhe

Você se lembra da primeira vez que tomou uma decisão? Eu tinha por volta de 5 anos e tinha acabado de entrar no karatê, decidi que não queria mais voltar lá. Os alongamentos eram demasiadamente dolorosos, não queria aquilo para mim. Decidi isso no auge dos meus 5 anos.

Não me recordo de ter desejado fazer esse esporte. Imagino que talvez fosse algo normal, os filhos aprendem a lutar enquanto as meninas bailavam. Felizmente para mim, a minha decisão aos 5 anos foi respeitada. E assim, não me tornei o garoto do karatê.
PS. a consequência é que até hoje eu também não consigo fazer um bom alongamento.

A decisão foi fácil, não queria sentir dor. Simples não é? E nesta época eu não tinha ainda uma consciência do eu. Até hoje não tenho ainda essa consciência, não há um dia que eu não me surpreenda com esse conceito.

Essa falta de clareza faz com que seja difícil dizer não, tantas vezes quanto são necessárias. Nós deveríamos ter uma consciência melhor de nossos desejos e objetivos. Entender que realização de desejos não traz satisfação ou felicidade.

Mas não. É como se, ao tomarmos consciência de nossa consciência (pois aos 5 anos a minha consciência era limitada como a qualquer criança), nós também recebêssemos a revelação de tudo aquilo que esperam da gente. E por nossa fragilidade, começamos a percorrer caminhos da expectativa para satisfazer o desejo daqueles que amamos.

O preço é que cada pessoa cria um mini mundo em sua cabeça, então a satisfação decorrente de viver neste mini mundo é diferente para cada pessoa. E ao satisfazer a expectativa de outro alguém, por mais que amemos este alguém, nós nos ressentimos.

Satisfazer o outro significa não satisfazer os nossos próprios desejos, afinal, é impossível existir duas pessoas iguais, ou seja, dois desejos iguais. E para não encararmos a dor de não nos frustrarmos, a gente ou quem amamos, caímos na ilusão de acreditar que podemos fazer os dois, quando na verdade não podemos. Fazer um significa não fazer o outro.

Há vezes em que esses dois eus são tão parecidos que nos enganamos e até chamamos esses momentos de felicidade. Mas há vezes que eles são tão distantes que para nos encararmos no espelho precisamos de quilos de remédio.

São tantas as vozes que com o tempo vamos deixando de saber quais daquelas vozes são realmente nossas. Com o tempo nos tornamos tão apáticos à vida que não temos mais ilusão de felicidade fora dos vícios. Não nos conhecemos e nem sabemos mais aquilo que gostamos. Porque a única realização que conhecemos é a concretização do desejo daquilo que esperam da gente.

Mas não encaramos esse fato, não. Nós mentimos para nós. Dizemos assim: tenho tempo ainda de descobrir, sou novo. Tenho toda uma vida pela frente.

Temos realmente tempo. Tempo este que nos ilude, nos faz acreditar que somos ou seremos eternos. Jovens, podemos escolher qualquer curso, não me interprete mal, você ainda pode fazer qualquer faculdade, mas nenhuma delas será como a primeira que você fez com seus vinte e poucos anos.

E nós ignoramos que escolher é definir tudo aquilo que iremos desfrutar no sentido do ser. Precisamos nos libertar da ilusão de que podemos ser tudo. Pois para sermos algo primeiro precisamos deixar de ser a infinitude de outros algos que poderíamos ser.

Este é o processo de se tornar adulto. Ser responsável pelo que você é. Não adianta chorar. Não adianta culpar o outro. Não adianta nada. O seu sofrimento, só você o sente.

Você pode continuar ignorando isso, mas cada vez que adia escolher, algum outro escolhe por você. E você e as pessoas que são próximas a você, sim, aquelas que te amam, sofrem por sua ausência de escolha.

Vale o lembrete: você não tem todo o tempo do mundo. Mesmo que você seja herdeiro e não trabalhe; mesmo que seu trabalho seja fácil; mesmo que você seja explorado ao extremo; mesmo que qualquer coisa, você não tem todo o tempo do mundo.

E todo o tempo que temos é finito diante do infinito de possibilidades que é existir neste mundo cheio de matéria.

Portanto, aprender a ser finito é aprender a ser livre de fato.

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