0042 Por que todos nós achamos que temos a solução para os problemas do Brasil?

Imagine um jovem que nunca nem namorou, apontando erros no relacionamento de 50 anos de seus avós. Na ciência, isso tem nome: efeito Dunning-Kruger.

Os pesquisadores David Dunning e Justin Kruger se inspiraram em um bizarro caso criminal ocorrido em 1995. McArthur Wheeler assaltou dois bancos em plena luz do dia, sem máscara, mas com o rosto coberto de suco de limão. Sua lógica era que, como o suco de limão pode ser usado como tinta invisível, ele o tornaria invisível para as câmeras de segurança. Ao ser preso, Wheeler expressou total incredulidade, murmurando: “Mas eu usei o suco”.

Em 1999 os pesquisadores publicaram o artigo: “Inábil e inconsciente disso: como as dificuldades em reconhecer a própria incompetência leva a autoavaliações infladas” isso é um duplo fardo que faz com que o indivíduo fracasse e não saiba os reais motivos que o levaram ao fracasso como no caso citado.

Além disso, indivíduos incompetentes, quando comparados aos seus pares, tendem a se acharem melhores e mais valorizados que os indivíduos competentes. Os estudos não fazem um recorte por gênero, mas a experiência prática nos mostra que mulheres competentes sofrem uma insegurança muito maior que homens. Mas existe o outro lado, quando não sabemos que não sabemos, achamos realmente que sabemos de algo.

Vamos extrapolar para política e economia. Nós entendemos o básico, mas acreditamos que, nós, alecrins dourados, sabemos a solução para tornar o Brasil uma superpotência. A razão de acreditarmos nisso é óbvia: não estudamos o suficiente para poder saber tudo aquilo que desconhecemos sobre o funcionamento do mundo.

Infelizmente, as tecnologias tendem a intensificar nossas qualidades e defeitos, e, nesse sentido, as redes sociais potencializam a nossa ignorância. Elas nos deixam mais ansiosos, e agora encontramos um novo canal no YouTube, maratonamos e já nos sentimos especialistas naquele tema.

Isso aconteceu comigo. Nós vamos passando tempo atrás das telas, e confiando nos nossos especialistas de estimação. E eles também estão suscetíveis a tudo que falei, e como são humanos, uma hora falham. Comigo aconteceu, quando percebi, compartilhei um vídeo muito bem argumentado, mas que era apenas uma superficialidade sobre determinado tema, baseado em ideias do especialista e se passando por ciência da mais alta curadoria. Precisamos tomar cuidado para não reproduzirmos exatamente aquilo que tanto criticamos.

E sabe quem sabe disso perfeitamente? As plataformas. A geração Z prefere usar as redes sociais para buscar conhecimento, isso tem uma consequência, faz com que os vídeos que o algoritmo indiquem sejam sempre carregados de emoção, muitas vezes são descontextualizados e são diversos, impedindo que você consiga se aprofundar e descobrir a sua ignorância sobre o tema.

Não bastando apenas isso, nós como humanidade ainda criamos uma ferramenta ainda mais poderosa, as IAs conversacionais que falam para nós tudo aquilo que queremos ouvir. Então, vivemos o ciclo, recebemos informação descontextualizada e resumida de um lado, confirmamos e nos aprofundamos com a IA. E no fim, ficamos infelizes acreditando saber onde está a insatisfação, mas sem ver qual o problema de fato. Vivemos o gráfico:

Mas isso não é algo contemporâneo, seria ótimo se fosse contemporâneo, a solução seria simples, não é? Desligar as máquinas. Seria fácil se fosse assim. Você já deve ter ouvido falar da soberba. Temos uma criação cristã em que somos apresentados aos sete pecados capitais, sendo soberba um deles.

Se você joga no google “soberba” terá a definição de que é um sentimento de superioridade, orgulho, arrogância, onde a pessoa se considera melhor que os outros podendo se manifestar em comportamentos como prepotência e desprezo. Segundo a tradição católica, a figura do demônio caiu diante de Deus por ser soberbo e achar-se como a criatura mais poderosa que o próprio criador. Não sei se seria essa a nossa soberba, em acreditarmos que por vermos vídeos de 30 segundos de redes socais, sabemos mais que os especialistas, que muitas vezes passaram a vida estudando determinado tema.

Claro que não nos aprofundamos em questões importantes sobre o tema estudado, na verdade, utilizamos do método científico para justificar a dúvida sobre os temas que não conseguimos entender por falta de estudo, tempo, e limitação de nossos sentidos. A quantidade de informação que existe no mundo não tem como ser suportada por qualquer ser humano. Cada especialista na verdade estuda a fundo um fragmento de determinado tema, enquanto nós, restante, não estudamos a fundo nenhum tema, mas berramos opiniões sobre tudo.

Fugindo um pouco da mitologia cristã, o mito de Ícaro é uma história interessante. Dédalo era um grande engenheiro de Atenas e foi capturado pelo rei de Creta, que construiu uma torre para ele, deixando-o preso para que ele pudesse construir máquinas de guerra. Dédalo teve um filho, chamado Ícaro, que nem se lembrava de Atenas, mas morria de vontade de conhecer a cidade do pai, pois foi criado escutando as histórias de como era gostoso morar em Atenas. Então Dédalo quebrava os seus neurônios pensando numa forma de conseguir escapar da torre.

Dédalo confabulava uma forma de escapar, mesmo que eles conseguissem porventura escapar da torre e pegar um barco, ainda assim, seriam facilmente alcançados pela marinha de Creta, sendo obrigados a voltar ou até mesmo a perder a própria vida. Até que um dia ele teve a ideia, pediu então penas e cera para o Rei, que não viu nenhum problema e o destinou. Um dia, à meia noite, ele levou o filho para o alto da torre, onde mostrou as asas que havia construído e testaram, voaram, voaram, e depois voltaram.

Finalmente combinaram o dia da fuga e foram para o topo da torre, onde Dédalo deu as instruções muito claras para Ícaro, que ele não deveria voar muito alto, pois o sol iria derreter a cera, ou voar muito baixo, pois as ondas iriam molhar as penas, e as asas ficaram pesadas demais para que ele pudesse continuar voando. Partiram, e o pai instruiu Ícaro, que por vezes ia baixo, e o pai gritava: “Ícaro, voe mais alto!” e ele ia. Foram indo assim, até que Ícaro sentiu uma corrente de vento mais forte e subiu. Quanto mais alto ele voava, melhor o esforço, mais rápido e mais relaxado ficava. Foi indo cada vez mais alto, e já não escutava os gritos do pai, tão alto que a cera começou a derreter. Já era tarde, caiu.

A lição é desenvolver a humildade de ouvir. Ícaro é o “alecrim dourado” original, o jovem que, embriagado pela própria experiência e pela altitude, achou que sabia mais que o engenheiro que construiu suas asas. Nós somos Ícaro. Com as asas da internet e das redes sociais, subimos ao pico do “Monte da Estupidez” e, lá de cima, com a visão turva pelo excesso de confiança, não vemos nem a cera de nossas asas derretendo. Não percebemos que os gritos de Dédalo — a voz dos dados, da ciência, da complexidade histórica — nada disso chega até nós. A queda, portanto, não é apenas individual. É a queda de um país inteiro no mar da polarização e das soluções fáceis, porque, como sociedade, ainda não aprendemos que o primeiro passo para consertar um problema complexo é admitir que não sabemos o suficiente para resolvê-lo sozinho.

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