#0043 Não é sobre resultados, é sobre pessoas

É muito bom quando finalmente chegam os nossos primeiros leitores. Não sejamos hipócritas, se escrevemos e publicamos é porque também desejamos ser lidos. Só que também não podemos deixar de esquecer que essa é uma emoção que alimenta apenas o nosso ego. E o ego não é nós. Portanto, é uma emoção que logo se esvazia. E se você não se observar, você pode começar a produzir tão ferozmente usando IA que não se reconhecerá mais nos seus próprios textos e só sentirá satisfação quando ver números inflados de suas próprias publicações, novos assinantes, curtidas, etc, tudo aquilo que simplesmente não existe no mundo real. Sabe o que existe? Você conseguir olhar para uma pessoa que leu um texto seu e disse que agregou em sua vida e mudou, isso não tem preço.
Não me leve a mal, métricas são importantes, mas elas não são substância, elas são adjetivos que ornam o seu texto. Eu espero que você ainda se mantenha escrevendo, eu sei que a IA já escreve melhor que a maioria dos seres humanos, mas por mais que ela faça um texto para você, não pode escrever um texto seu. Você deveria usar ela como uma ampliação de suas capacidade cognitivas e não se deixar ir às cegas por ela. Ethan Mollick cita um estudo que mostra que quanto melhor uma IA, tendemos a delegar cada vez mais nossas capacidades para ela, copiando e colando suas respostas, como se estivéssemos num piloto automático. Escrever para mim é uma jornada de me descobrir como ser humano e isso jamais poderia ser delegado para uma IA.
Mas há pessoas que se descobrem por outros meios e talvez para ela faça sentido delegar para a IA a escrita. Precisamos pensar sobre o que nós vamos deixar de fazer. Cada coisa que deixamos de fazer, que deixamos de doar, também deixamos de viver. Cada tempo economizado é um tempo de vida, mas a vida é também gastar o tempo e viver os problemas, pois nunca seremos imortais.
Esses dias encontrei uma amiga que me disse algo que acalentou meu coração. Ela me disse que leu a minha crônica #0034 e que aquilo a fez lembrar do budismo, e mais que isso. A partir disso ela foi buscar novas referências. Isso para mim é o tudo. Saber que contribuí, mesmo que 0,1% na vida de alguém é infinito.
E fazer isso só é possível quando eu mantenho uma constância, mesmo quando ninguém me lê. Você já ouviu falar do efeito regressão a média? Li isso na primeira vez no livro: “Rápido e Devagar” do Daniel Kaleman, neste livro ele nos ilustra essa metáfora por meio de campeonatos de golpe. Imagine um golfista profissional que tem um primeiro dia de campeonato espetacular, muito acima de sua média habitual. Ele acerta tacadas improváveis e termina com uma pontuação excepcionalmente baixa. A tendência natural, e o que a regressão à média prevê, é que no segundo dia seu desempenho seja um pouco pior, mais próximo de sua média de longo prazo. Isso, não é porque ele ficou arrogante ou relaxou, mas porque o primeiro dia foi uma combinação de grande habilidade e uma dose significativa de sorte. A sorte é inconstante, mas a habilidade permanece. Da mesma forma, se um golfista tem um dia desastroso, muito abaixo de sua média, é altamente provável que seu dia seguinte seja melhor, “regredindo” para o seu nível de desempenho normal. O erro comum é atribuir essa flutuação a causas complexas, quando na verdade é apenas a estatística em ação: desempenhos excepcionais, tanto bons quanto ruins, raramente se repetem em sequência, pois tendem a voltar para a média. Portanto, quanto mais você escreve, maior a chance de você melhorar sua habilidade de maneira geral, e como um bônus espetacular, você se conhecerá melhor. Algo é mais valioso do que isso?
E quando você conquista seus primeiros leitores é quase como se você encontrasse seus amigos. Eu sei que as redes sociais nos dão a ilusão de que temos milhares de amigos, por meio dos stories achamos todos os detalhes sem nunca trocar um abraço. Agora quando conseguimos juntar o afeto físico, com quem lê um texto seu. Agora quando conseguimos juntar o afeto físico com um afeto de afinidades é quase certo que estamos falando de amor, não paixão, trocas de fluídos, e todo o amor que você já conhece como romântico, não é isso. É amizade.
Você não vai conseguir amar muitas pessoas. Para você amar, você precisa conhecer, você precisa doar um pouco de você, dando carinho e afeto, e claro, você também precisa receber. E isso não é algo que se faz com mil pessoas, você pode contar nos dedos todos aqueles que você consegue fazer essa troca.
Minha ideia não é trazer fórmulas, mas dizer que você deveria escrever mesmo que ninguém mais fosse ler.

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